segunda-feira, outubro 27, 2025

Garça azul

 XIII.

Certas palavras têm ardimentos; outras, não.

A palavra jacaré fere a voz.

É como descer arranhado pelas escarpas de um

serrote.

É nome com verdasco de lodo no couro.

Além disso é agríope (que tem olho medonho).

Já a palavra garça tem para nós um

sombreamento de silêncios…

E o azul seleciona ela! 



segunda-feira, agosto 04, 2025

quarta-feira, maio 21, 2025

Haicai 5


 

Afundo um pouco o rio com os meus sapatos. 

Desperto um som de raízes com isso.

A altura do som é quase azul.





Imagens: Memorial “Sapatos às Margens do Danúbio”, próximo ao Parlamento Húngaro.

domingo, março 02, 2025

Sobre portas

 


Foto tirada por mim na Igreja de Nossa Senhora da Guia, em Lucena, Paraíba. O início da construção se deu no final do século XVI.



A maior riqueza do homem

é a sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado.

Palavras que me aceitam como sou – eu não aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,

que puxa válvulas, que olha o relógio,

que compra pão às 6 horas da tarde,

que vai lá fora, que aponta lápis,

que vê a uva etc. etc. 

Perdoai.

Mas eu preciso ser Outros.

Eu penso renovar o homem usando borboletas.



sexta-feira, dezembro 13, 2024

Aniversário de Manoel de Barros




O muro 

Não possuía mais a pintura de outros tempos.

Era um muro ancião e tinha alma de gente.
Muito alto e firme, de uma mudez sombria.

Certas flores do chão subiam de suas bases
Procurando deitar raízes no seu corpo entregue ao tempo.
Nunca pude saber o que se escondia por detrás dele.
Dos meus amigos de infância, um dizia ter violado tal
segredo,
E nos contava de um enorme pomar misterioso.

Mas eu, eu sempre acreditei que o terreno que ficava atrás
do muro era um terreno abandonado!

quarta-feira, novembro 13, 2024

Aniversário de morte de Manoel de Barros


Para compor um tratado de passarinhos
É preciso por primeiro que haja um rio com árvores
e palmeiras nas margens.
E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos
goiabeiras.
E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.
É preciso que haja insetos para os passarinhos.
Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.
A presença de libélulas seria uma boa.
O azul é muito importante na vida dos passarinhos
Porque os passarinhos precisam antes de belos ser
eternos.
Eternos que nem uma fuga de Bach.


MANOEL DE BARROS
Compêndio para uso dos pássaros
(Poesia reunida 1937-2004)
Quasi Edições, 2007

Hoje, 13 de novembro, é aniversário de morte do poeta.

Costumamos dizer que o poeta virou passarinho... 

terça-feira, dezembro 19, 2023